Brincar é inutil
Mariana Leite Cacciatori – Professora na EPG Professor Milton Luiz Ziller
“A racionalidade capitalista, impregnada nas instâncias e práticas educativas das instituições, despreza por completo o tempo dos homens; o tempo social, qualitativo; tempo subjetivo e agente de criação, história e cultura; tempo total, integral, simultâneo, passado, presente/futuro fundidos em instantes de plenitude; tempo de repetição criativa dos jogos infantis, tempo de lentidão, da contemplação; tempo da formação humana e não um tempo para adaptação passiva dos indivíduos à perpetuação do capital.”
(SILVA, in ARROYO, M.G. e SILVA, M.R., 2018, p.230)
Inicio esse texto com uma reflexão, para que serve o brincar? E logo vem à mente uma série de explicações sobre como as crianças aprendem brincando. Então brincar serve para aprender? Para assimilar conteúdos? A educação infantil historicamente descredibilizada, ao passo que ganha importância nas últimas décadas, se torna também refém desta mesma notoriedade. Então, ir para a escola “somente” para brincar, parece pouco e nada razoável. Precisamos talvez justificar esse brincar. “Brincar disso, para aprender aquilo.” E assim, esse brincar vai ganhando finalidades específicas, como aprender cores, numerais, formas geométricas, etc. E com isso questiono: com quais compromissos ou documentos as crianças estão seriamente comprometidas que seu tempo na escola precisa ser otimizado? Com nenhum. A criança está comprometida com a confecção do seu bolinho de areia, em encontrar pedrinhas e folhinhas, em ser super herói, em se esconder ou correr mais rápido. Tudo isso, agora. Aqui não pretendo negar a importância da escola para perpetuar os saberes humanos, entretanto é necessário estar atento para que tais saberes não se sobreponham à(s) infância(s), às suas urgências, bonitezas e poéticas. Brincar na escola para sobreviver. Para sonhar. Primordialmente. É neste momento da vida, e talvez somente neste, que os indivíduos possam desfrutar do tão estimado, e cada vez mais raro, tempo. Como cantou Caetano Veloso em Oração ao Tempo:
“Ainda assim acredito
ser possível reunirmo-nos
Tempo, tempo, tempo, tempo
Num outro nível de vínculo.”
Disse-me também Pyetro, ao entrar no parque, tirar sapatos e camiseta e deitar na grama: “Ainda bem que a gente tem tempo, né?” O menino que contemplava o céu, possivelmente nem imaginou que seu gesto seria tão significante à esta educadora, que sentiu ali uma tremenda satisfação, pois teve sempre como posicionamento a defesa do brincar livre. Ali estava a justificativa (ou uma delas) que eu tanto já havia buscado.